“Todos nós, num determinado momento, temos visão de nossa existência como sendo especial, muito preciosa e intransferível. Essa transformação se dá quase sempre na adolescência” (Robert Johnson, He, Ed. Mercúrio, São Paulo).
Época de descaminhos
Decididamente não é fácil ser jovem neste final de século. Uma crise generalizada, de proporções nunca vistas antes, assola a humanidade, acelerando profundamente e em curtíssimo prazo todas as crenças, instituições e valores. Vivemos crise na economia, nas religiões, na política, na moral e também na família, no trabalho e nas profissões. É longa e árdua a estrada que o jovem precisa percorrer para aventurar-se num caminho próprio.
A juventude é um estágio de passagem entre o Ser criança e o Ser adulto. É uma passagem que define toda uma vida, um modo de ser e estar no mundo, mas que traz em si sementes já plantadas na infância, época em que o ser é apresentado ao mundo pelos adultos que o rodeiam. Na apresentação da criança ao mundo, os adultos lhe passam valores, crenças, hábitos, conceitos e basicamente afetividade e emoção que serão os instrumentos com os quais o jovem vai enfrentar sua jornada.
Há vinte ou trinta anos, muito provavelmente, a maioria dos pais e educadores sabiam que mundo mostrar às crianças; ou pelo menos achavam que sabiam, e não se questionavam muito acerca de seus princípios. O mundo adulto parecia ter uma estrutura de valores e normas éticas conhecida e respeitada por todos. O que vemos agora, porém, é que a maioria ou quase a totalidade dos valores foram ou estão sendo questionados e relativizados. A sociedade e nós dentro dela estamos passando por uma revisão de ideias e conceitos há muito não colocados em dúvida. E, ao mesmo tempo, há uma busca bastante ativada de um mundo mais significativo que responda aos anseios da alma humana.
É desnecessário dizer que o relativismo moral, que se instaura quando todos os valores são questionados, é tão desastroso quanto a rigidez moral e institucional, pois fracassa em fornecer quaisquer padrões de certo ou errado, e de oferecer a primeira e indispensável orientação para o ser que se forma. Parece mesmo que os adultos temem ser criticados, serem chamados de “caretas”, e assim se eximem de emitir opiniões, como se não as tivessem de fato. Muitos, por temerem se expor, “abrem o diálogo”, que aparentemente lhes confere a persona de democratas, mas que, na verdade, esconde o modo como veem o mundo, e o temor de arcarem com suas ideias, que, eventualmente, podem mesmo não ser as melhores. Infelizmente , por temerem ser, eles acabam não permitindo que o jovem possa ser. Eles falham em fornecer aquela primeira e indispensável orientação que servirá de confronto para o jovem.
É certo que o ser humano é um eterno vir-a-ser, mas é certo também que a gente vai sendo na medida que se vive. E, ainda mais, aquilo que o adulto teme expor em palavras, acaba por expor nas atitudes e comportamentos. O vir-a-ser não significa viver em constante caos, mas é ir colocando os tijolos necessários para a nossa estruturação, que não precisa ser rígida, sempre igual e sem transformações, muito ao contrário; porém precisa, sim, ser sólida.
Encontramo-nos, pois, numa época em que há uma grande desorientação nos adultos e, consequentemente, nos jovens. Estamos inseridos num meio social completamente ambíguo. Existe uma permissividade aparente para as crianças e jovens, mas essa liberdade se refere muito mais ao consumo dos produtos veiculados pela mídia, do que a real liberdade de ser no mundo. Assim nos defrontamos com restrições básicas, como habitação, lazer, educação, cultura, alimentação, falta de espaço, etc. E isso acontece em todos os níveis sociais!
Tanto as necessidades criadas pelo consumo como as restrições da realidade atingem todas as pessoas, de alguma maneira. Assim, o jovem tem a aparente liberdade de comprar um sapato da moda, e nenhuma de andar com o mesmo pelas ruas, pois corre o risco de ser assaltado e até mesmo assassinado. O menino da favela não tem casa para morar e vive pelas ruas, e o da classe média tem casa para morar, mas ela se torna uma prisão cheia de grades, e a ele não é permitido viver e brincar nas ruas.
O que encontramos é uma mídia responsável por todos os conceitos humanos de liberdade, felicidade, alegria e moral. Os princípios mais gerais da ética e respeito humanos parecem ter sido esquecidos pelas pessoas, ao se deixarem levar pela propaganda. Felicidade, alegria e outros valores ficaram confinados no TER, ou seja, na ilusão de que a posse de determinados bens confere uma existência significativa. Os adultos, agindo assim, abriram mão do Ser. O que ensinarão aos seus filhos? Que exemplos darão aos jovens?
Jornada do herói
Dentre as mais diversas características que o adolescente apresenta neste período de passagem, podemos destacar a vulnerabilidade e a ambiguidade diante das situações que lhe apresentam. A ambiguidade é típica de todo período de transição, e a vulnerabilidade também. É só lembrarmos do mito de Hércules, o herói grego.
Em seu primeiro trabalho de sua jornada de doze, ele tem que matar o Leão de Nemédia, cuja pele é invulnerável. Depois de aniquilar o monstro, Hércules retira-lhe a pele, e passa a usá-la, simbolizando com isso a necessidade de conquista da autoconfiança e da autodefesa como o primeiro passo para enfrentar a multiplicidade de estímulos que o mundo apresenta.
A confiança dá ao Ego a capacidade de integrar o mundo interno, pois o jovem aprende que as situações podem ser reversíveis e as perdas, temporárias; ainda mais, é através da autoconfiança que se desenvolve a capacidade de resistência a frustrações, tão necessária à jornada do Herói. Desse modo, ele aprende a discernir, a prever e a esperar.
Diante da multiplicidade de situações, o jovem vai precisar optar. OPTAR também significa “matar”, sacrificar as múltiplas possibilidades em favor daquela que é escolhida. Na busca da integração de sua identidade, ele caminha para a necessidade de opções, e o só poderá fazer isso se na sua jornada aprendeu a abrir mão de algumas coisas em prol de outras. Muitos jovens não conseguem fazer suas escolhas, nem mesmo as profissionais, por paralisarem-se diante do fato que ao escolherem algo deixam de escolher outras tantas coisas. Estão ainda presos ao mundo infantil, ao mundo inconsciente de fantasias onde tudo podem, presos a ilusão de onipotência. Aguentar a condição humana é sempre muito difícil. Enfrentar as duras provas que podem nos trazer frustrações e tristezas é realmente algo para heróis.
A trajetória humana é árdua, é necessário disciplina, força, garra, muito empenho, e até mesmo a ajuda dos deuses, como observamos em todos os mitos dos mais diversos povos. E o resultado não é imediato.
Somente anos mais tarde, quando o indivíduo tiver seus 30 ou 40 anos, é que ele vai confrontar-se consigo mesmo e ver se sua jornada foi a do herói, ou se ele desistiu da mesma. Se ele não percorreu seu caminho, terá que faze-lo agora; o que é sempre muito mais difícil. O tempo é inexorável e a vida requisita o ser humano para cumprir sua parte.